A ampulheta da vida
Despertei com um tintinar de alguma coisa e pensei que eram gotinhas de chuva, mas não era.
Descobri que se tratava de pedrinhas minúsculas de areia escorregando pela ampulheta do tempo.
Eu me aproximei e de súbito, comecei a contar, uma a uma, e totalizei sessenta e cinco.
E com essa soma, olhei para o relógio do tempo e vi que cheguei a sessenta e cinco anos.
Fui ao espelho e ele num reflexo de um clone, me chamou à realidade, mostrando a anatomia da minha face.
Nessa realidade, me perguntei:
- Velha? E respondi num rápido monólogo:
- Não!
- Estás mais experiente, mais ponderada, mais introspecta, mais próxima do amor de Deus e mais consciente do grande amor de Deus para contigo. Silenciei! E pensei:
Deus presentou o homem com sua obra prima, a vida.
Viver, milagre do tempo. Tempo, recurso que Deus dispõe para controlar a vida. Ah, como é belo viver! Viver a vida que nos oferece opções conforme ações e atividades de cada um.
E a isso, chamo de autonomia de vida.
Com essa liberdade, imagina-se imortal e consequentemente, velhice e morte não existem.
O não querer envelhecer, torna-se um conflito de vaidade e insegurança.
De fato, o envelhecer é assustador; não pelo estar velho, mas, pela muralha imposta pela sociedade que prima pelo “belo” e que discrimina, sem piedade, o idoso com exacerbada injustiça.
Pasmem: até mesmo o idoso tem preconceito com sua idade, se acha incapaz de realizar atividades criadoras e interpretativas.
Outro dia ouvi uma pessoa da terceira idade dizer que determinada atividade “só o jovem desempenharia bem”.
E não era nenhuma atividade de resistência física. Achei de muito mau gosto essa colocação grosseira e preconceituosa.
Essa pessoa julgou todos incapazes a partir de sua própria medida, o que é um absurdo!
Estou no outono da vida e a esse tempo, posso dizer que é uma sequência de “dói aqui”, que se for viver pensando onde dói, não se vive.
O vento do outono da vida é o mais forte de todas as estações.
E seu processo de derrubada de folhas e galhos enfeiam o que até então era frondoso e bonito.
Eu me preparei para viver esse tempo. Fiz um propósito comigo mesmo no tocante a ser ou não produtiva! Nunca parei de estudar.
Tenho como prioridade intelectual a leitura e a escrita. Nunca imaginei ficar obsoleta, sem interagir.
Faço esse exercício com meus filhos e meu marido diariamente e nesse agradabilíssimo exercício, debatemos todos os assuntos que fertilizam a mente.
O tempo da primavera passou.
Porém, deixou inesquecíveis momentos; momentos lindos com a árvore-tronco e seus galhos.
Casamento, vida a dois, comunhão com Deus; nascimento dos filhos; batizados e outros sacramentos, alegria imensurável; formaturas, sonhos realizados e festas familiares; confraternizações com quem amamos e hoje, aos meus sessenta e cinco anos, chego a seguinte conclusão: que todo esse tempo bem vivido não poderá jamais ser esquecido e que as marcas que o tempo deixou não são simples rugas; elas fazem parte da minha história, da sua história, da nossa história.
Custódia, 12 de agosto de 2017.
Lindinalva Simões Pinto “Nenê”.
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