Por
Antônio Marlos Duarte
Custódia-PE
Fevereiro/2012
Fevereiro/2012
A história desse homem reflete-se na importância de explorar a memória da família e também da sua cidade, Custódia. Meu avô nasceu no ano de 1888: ano da abolição da escravatura. Percebe-se que o meu avô nasceu algumas décadas antes da emancipação de Custódia como município.
Abílio José Duarte nasceu em Cacimba Limpa e foi criado pelo tio José Josino em São João do Leite. Seus pais moravam em Palmeiras dos Índios, no estado de Alagoas, e, por motivos desconhecidos por mim, não criaram meu avô.
Vivendo nessa região a sua infância, meu avô foi criado num contexto de bucólico, de fazendas e de sítios. Tendo fazendas para se dedicar a cuidar (visto que seu tio era dono de terras), meu avô sonhava em ser vaqueiro... e foi. Tornou-se o vaqueiro do sítio de seu tio-pai.
Meu avô cresceu e virou o que ele sempre quis na infância: vaqueiro. Num dia, em que corria pelas fazendas que fora criado, Abílio José Duarte corria em alta velocidade com o seu cavalo quando não viu um buraco enorme. Não conseguindo "frear" o cavalo, caiu e ficou, como se diz na nossa linguagem típica, "corcunda".
Ele ficou assim até o último dia de sua vida. Com o acidente, deixou de ser vaqueiro para ser outras coisas. Casou-se anos depois com a sua primeira mulher - Enedina Leite - a qual morreu após uma série de complicações após um parto. Ela deixou filhos, tios meus que já morreram - Joanita, Zezito (Rock Lane), mas outros continuam vivos como Tia Neta e Irene.
Passado alguns anos de "viuvez", casou-se novamente. Casou com a jovem Juvina Alves Figueredo, minha avó, a qual permaneceu com o meu avó até o seu último dia de vida. Com ela, teve oito filhos: Gilda, Djanira, Josa, Afonso, João, José, Dorinha e Magaly, esta última minha mãe.
Como Oficial de Justiça, meu avô pregou a Justiça sempre, nunca se subjugando a subornos ou coisas do ramo. Por várias vezes, pessoas que queriam ser privilegiadas em divisões de terras, em heranças, tentavam subornar meu avô querendo "dar um bônus", caso meu avô aumentasse suas posses.
Meu avô nunca aceitou a ideia de ser um qualquer corrupto da justiça, sendo reconhecido por todos. Já escutei várias histórias sobre pessoas que hoje são idosas e que, quando jovens, conheceram meu avô e me falaram sobre isso. Sempre escutei histórias sobre Abílio José Duarte como um homem digno, honesto, entendido, inteligente, sábio... incorruptível.
Na Justiça, meu avó já passou por muita coisa como o caso, que sempre escuto com muita frequência, da insistência de Lampião em enfrentar o meu avô. O tio que criou o meu avô gostava muito de Lampião, dando comida e abrigo quando os cangaceiros vinham a Custódia.
Meu avô, ao contrário do seu tio-pai, nunca gostou de Lampião e vivia reclamando quando o anti-herói ia se abrigar na casa que fora criado. Lampião soube desse "mal-estar" e passou a afrontar o meu avô, mandando ameaças. Dizem que, quando Lampião chegava em Custódia, meu avô corria.
Quando Lampião o ameaçava, ele viajava para outros lugares, inesperadamente. Eu disse que ele era incorruptível, não corajoso com cangaceiros! Enfim, todos os homens têm suas fraquezas... e meu avô não seria diferente! (risos)
Já aposentado, meu avô criava em sua casa um papagaio muito ciumento, que só queria a atenção dele e de mais ninguém da casa. A minha tia ensinava palavrões ao papagaio. Após dias da morte do meu avô, ele também morreu. Eram inseparáveis dentro de casa.
Enquanto vivia nessa vida de aposentado, meu avô tinha uma rotina: durante a manhã, caminhava em direção ao Cruzeiro, onde tinha alguns parentes que ia visitar; durante a tarde escrevia muito e, a noite, vivia em casa. Meu avô fez um livro autobiográfico, que se encontra com minha tia, que mora no Estado do Rio de Janeiro.
Diversas prosas pequenas meu avô escrevia, todos os dias. Além disso, meu avô era "consultor político". Muitas pessoas iam na casa dele para saber em quem ele iria votar, para votar no mesmo candidato, visto que todos julgavam meu avô "entendido". Quem não gostava desses "conselhos políticos" era a minha avó, que sempre dizia: "Abílio, esse povo só vem na hora do almoço, é? Abílio, deixa de ser besta... esse povo só vem para cá comer!!!" (risos)
Em uma de suas manhãs, foi caminhar e, mais ou menos, de frente onde hoje é a Tambaú (na época era o Posto Texaco) teve o seu destino cruzado com o de uma moça que estava aprendendo a dirigir carro. Inesperadamente, ela atropelou o meu avô, que não resistiu às lesões e faleceu. Era 15 de Dezembro de 1972.
Meu avô tinha 84 anos e deixou filhos e a minha avó, que ainda tinha 50 anos na época (hoje, minha avó - Juvina Alves Duarte - tem 89 anos e completará 90 anos no dia 22 de Março). Em 2012, completa-se 40 anos da morte do "Abílio Corcunda", da morte de um homem de caráter incontestável, de índole, de firmeza de ideias, de pensamento e de sonhos. Existe uma rua com o nome "Rua Abílio José Duarte", que fica perto da CIOSAC, na entrada do Bairro Mandacaru.
Foi uma satisfação muito grande compartilhar, mesmo que tão pouco, a história de um homem de ideais. Tenho orgulho de ser neto dele, porque, quando se é adolescente, sempre nós procuramos a quem seguir em pensamento, vendo as histórias de seus heróis.
Encontrei, além do meu pai, um outro herói na minha família: uma homem de Justiça e de sabedoria paterna. Encontrei um herói querido por todos na sua vizinhança e na sua cidade. Encontrei um herói paciente e que não guardava mágoas de ninguém.
Encontrei a história de um incorruptível, de um cidadão, de um homem real e ideal. Encontrei a história de Abílio José Duarte.
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