Numeriano Blandino - por Fernando Florêncio


Fernando Florêncio
Ilhéus-BA
Abril/2020Quinta semana de quarentena

Numeriano Blandino tinha como característica uma magreza extrema, assim como seus irmãos, Jose e Dedé Blandino. Podia-se dizer, sem medo do trocadilho, de que “trambos” eram extremamente magros.

Sr. José Blandino, era funcionário da prefeitura e feitor – uma espécie de faz tudo - no Grupo Escolar General Joaquim Inácio. Sua esposa, Dona Julia, esmerava-se na fabricação de pirulitos de açúcar que o Telmo, um dos inúmeros filhos do casal, saía a vender pela cidade numa tábua toda cheia de furos. Já as cocadas, de coco, naturalmente, eram vendidas num tabuleiro que uma das filhas carregava equilibrado na cabeça. 

Era uma festa para se vender os pirulitos e cocadas na época da romaria do Padre Cícero, quando um infinidade de caminhões “Paus de Araras” faziam uma parada para almoço em Custódia. 

Detalhe: os filhos de Zé Blandino vendiam os pirulitos e as cocadas acompanhados de um copo de água grátis. Um segundo copo de água de pote quente e barrenta, era cobrado em separado. Por fora. Água servida de uma moringa (quartinha) de barro gentilmente cedida por “Zabé” de Cândida, dona do hotel onde a “romeirada” almoçava e fazia as demais necessidades. 

Muitos romeiros carregavam sua própria refeição num amarrado de pano. Normalmente farinha, rapadura e um pedaço de ceará (charque). Esses almoçavam sentados na calçada do hotel. Usavam a sombra do passeio do prédio. Um único caneco de alumínio com uma asa (alça) lateral era usado por todos. 

Alguns romeiros mais preocupados com a higiene, pegavam o caneco usado, jogavam um pouco d'agua, chacoalhavam, aí sim copo estava limpo. Podia ser usado à vontade. 

Ze Blandino tinha uma prole muito grande. Mas o destaque era para o Edmundo, que além de jogar futebol e driblar como poucos, era extremamente hábil no jogo de sinuca. O outro filho, Hélio, tinha como profissão sapateiro. 

Como o irmão Edmundo, também jogava um futebol vistoso e bonito de se ver. Exímio cobrador de faltas. Hélio jogou algumas partidas pelo Sport Club Bandeirantes, de Arcoverde. Chegou a ser sondado para o Central de Caruaru. Chegou até a treinar. O bicho papão da época. Mas a saudade de Custódia falou mais alto.

Dedé Blandino era chegado ao jogo de azar. Vivia disso. Saía pelas cidades nos dias de feira, com o tabuleiro de pano verde, as fichas, os dados e a roleta. Seu ponto principal sempre foi em Custódia, no Bar de Zuca Pinto. 

Extremamente gago, Dedé se irritava quando estava perdendo. Certa vez, um matuto com toda sorte do mundo, começou a ganhar todas. Dedé, avermelhando-se começou a girar a roleta com toda força. Mesmo assim, o matuto continuava a ganhar. Quando um “perú” aquele intrometido que fica dando palpites, aconselhou:

--Dedé, é melhor parar. Este matuto vai te “quebrar”.(significava fechar) 
Vai quebrar a banca com roleta e tudo. 

Ao que Dedé respondeu com sua gagueira, vermelho de raiva e levando as mãos ao meio das pernas, encheu as duas mão com o material ali contido, e sapecou:”

-Ele quebra “isso” aqui, quanto mais minha roleta. 

Dedé ficou uma fera porque o matuto trocou todas as fichas, recebeu o dinheiro investido, mais o ganho, saiu dando risada e agradecendo porque ia levar pra roça uma feira mais volumosa, separou o principal do lucro, tomou uma lapada de serra grande no bar de Zuca.....e... pernas pra que te quero. 

Consta que Dedé nunca mais permitiu que aquele matuto se acercasse da sua banca de jogo. 

Já o irmão, Numeriano, era um exímio fabricante se silos de zinco, vendidos na feira para acondicionar e guardar cereais. Fabricava-os la pras bandas do General, onde morava. Habilidoso, ele comprava as folhas de zinco brutas, recortava-as e soldava-as entre si numa forma arredondada, tendo na parte de cima um furo com uma tampa que sob pressão, protegia o cereal armazenado. 

Aquele tambor imenso, similar aos tanques de postos de gasolina, descendo a ladeira do Grupo Escolar às segundas – feiras, identificava que Numeriano estava em baixo. Trazia o Silo na cabeça, apoiado num rodilha de pano, num equilíbrio de fazer inveja a qualquer artista de circo.

Mas, fiz todo este arrodeio, para chegar a mais “uma”, fruto da espirituosidade de Numeriano.

O Sr. Izaías e Dona Feínha, eram donos da concessão da EBCT – Empresa Brasileira de Correios e Telegraphos, além de uma grande prole entre filhos (Naime, Nacôr e Niraldo) e filhas (Neci, Neide, Niralda e Nilda). 

Entre eles, apenas um tinha o nome que não começava com “N”. 

Era conhecido como Zé de Izaías. Extremamente habilidoso na área de mecânica, tanto que dava assistência técnica aos geradores de luz de Custódia e Serra Talhada. Além de ser dono do Cinema de Custódia.

Zé de Izaías, apesar de ter um braço amputado, jactava-se de que, um parafuso que ele apertasse, com uma só mão, duvidava que alguém desse mais um aperto de um quarto de volta que fosse. 

Zé de Izaías apertou, tá apertado...

Como todos, se não, a grande maioria, dos rapazes daquela época, sem perspectivas de vida “ganhavam” o mundo. 

Com Nacôr não foi diferente. Partiu de Custodia para o Recife em busca de oportunidade de vida. Conseguiu alguma ocupação interessante, tanto que só voltou a Custódia depois de algum tempo. Alguns anos, talvez 5, depois. De férias.

Chegou a sua terra com aquela postura de quem acertara na escolha e com isto a vida dera uma melhorada. Trajando calça de brim diagonal bem vincado, boca de sino e camisa ban-lon de gola rolê.

Revendo os amigos de longa data, cumprimentando a todos, deu de cara com Numeriano debruçado entre uma das muitas janelas do Bar Fenix, olhando “peruando” um partida de sinuca. Nacôr conheceu Numeriano de primeira:

-- Eita Numeriano, quanto tempo! Como vão os negócios? Fazendo e vendendo muitos Silos?

Numeriano olhava Nacôr de cima a baixo, respondia todas as perguntas, mas estranhava quem seria aquela pessoa...(?)

Sentindo a dúvida de Numeriano, Nacor quis ajudar dizendo:

-- Numeriano, sinto que você não está me reconhecendo, é natural, pois passei muito tempo fora, mas observe bem.....N A C Ô R, homem...!!!.

--Tou vendo que você é BRANCO, respondeu-lhe o espirituoso e imprevisível Numeriano.

(Fecham-se as cortinas)

Com o Bar Fenix cheio, quem presenciou a cena, disse que houve “gaitadas” ouvidas até na Bomba.

Feito o reconhecimento, seguiu-se um abraço de 5 anos de saudades.

Fernando Florencio

(*) Em tempo: O termo “matuto” ou “matuta” era o nome genérico pelo qual se identificava as pessoas vindas dos sítios e das fazendas, sem nenhuma conotação pejorativa.

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