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José Pereira Neto
Maio/2011
José Pereira Neto
Maio/2011
Nasceu no sítio Barra do Jacu, próximo ao povoado Rio da Barra, município de Sertânia, à época Alagoa de Baixo, numa segunda-feira 10 de março de 1902. Filho de José e Clara Pereira da Silva (primos entre si), ‘Seu’ Joaquim desde a juventude, teve a saúde comprometida por problemas gastrintestinais, megaesôfago e outros que tais. Os problemas de saúde atrapalhavam, mas não impediam dele trabalhar. Quando a saúde não o impedia, acordava muito cedo, mesmo sem tomar a primeira refeição, começava sua faina, arrumando e espanando as prateleiras sempre bem abastecidas de medicamentos.
A Farmácia Pereira, fundada por ele em 15 de julho de 1937, foi durante vários anos a única que existia na cidade. Nessa época Custódia não contava com energia elétrica o dia inteiro, então, adquiriu um refrigerador ‘ELECTROLUX’ a querosene onde mantinha soros como antidiftérico, antiofídicos, vacinas entre outros. Foi pioneiro na aquisição de equipamentos inusitados, raros na época como: máquina de escrever, caixa registradora, calculadora, relógio de carrilhão, etc.. Sem qualquer curso mecânico, fazia questão de mantê-los em perfeito funcionamento. Desmontava tudo, limpando e lubrificando. Construiu o prédio de sua farmácia com laje de concreto e porta metálica tipo sanfona.
Apesar de não ter o curso primário sequer, se tornou um autodidata. Lia muito e de tudo. Gostava principalmente de Humberto de Campos, Machado de Assis, publicações médico-científicas. Livre Pensador, tinha vários livros do CÍRCULO DA COMUNHÃO DO PENSAMENTO, obras kardecistas. Estimulava os filhos no gosto pela leitura. Adquiriu A História Universal de César Cantu, o Tesouro da Juventude, Nossa Vida Sexual de Fritz Kahn. Sempre que podia mandava comprar a revista O Cruzeiro, então a publicação semanal de maior circulação nacional.
Mencionava com freqüência as reportagens de David Nasser/Jean Manzon. A partir de 1942 passou a comprar a revista ‘Seleções’. Reproduzia para os amigos as ‘piadas de caserna’ ‘rir é o melhor remédio’. O Dr. Ulisses Lins, pai do ex-governador Dr. Etelvino Lins de Albuquerque pensando no futuro eleitor, estimulou para que Pai Pereira o incentivasse para aprender as primeiras letras. Durante toda sua vida ele sempre se mostrou grato a seu padrinho de batismo Experidião de Sá, seu grande mestre no aprendizado das primeiras letras.
Quando ainda moço trabalhou numa fábrica de bebidas em Rio Branco, hoje a cidade de Arcoverde. Das bebidas que iria fabricar no futuro, uma delas oferecia alguns problemas. A ‘gasosa’ era o então refrigerante conhecido no Sertão. A tal ‘gasosa’ fermentava antes de 24 horas. Mesmo assim nas festas de São José e Natal, ele a fabricava em quantidade considerável para oferecer gratuitamente a quem lhe fazia visita. Na base de ácido cítrico e bicarbonato de sódio. A ‘bicha’ espumava que era uma beleza.
Aprendeu a tocar clarinete, um dos instrumentos mais difíceis. Treinava sozinho, às vezes dava uns agudos muito fortes. Os fofoqueiros de então, existente na velha Custódia de 1930, comentavam quando isso ocorria alguém iria parar na ‘Baixa de Heleno’, como era apelidado nosso cemitério de São José. — Ele ficava p… da vida. Terminou por abandonar o instrumento que depois veio dar fama ao maestro Severino Araújo, regente da reputada Orquestra Tabajaras, que na Segunda Grande Guerra nos idos de 39 a 45 concorria em pé de igualdade com instrumentistas tupiniquins, com a mundialmente famosa Glenn Miller’s Orchestra.
Através do seu conterrâneo Etelvino Lins, foi ao Palácio do Governo, com seu apoio, foi ao Departamento de Saúde Pública que funcionava junto ao Pronto Socorro de Recife na Rua João Fernandes Vieira esquina com a Rua Oswaldo Cruz, onde recebeu alguns ensinamentos e fez amizade com o Dr. Nestor Cézar. Posteriormente, recebeu do Conselho Regional de Farmácia do Estado de Pernambuco sua Carteira de Identidade Profissional nº 00041, expedida no dia 24 de abril de 1964, atestando sua qualidade de farmacêutico prático, responsável pela Farmácia Pereira. Até 23 de março de 1970 pagou religiosa e pontualmente a anuidade do CRF.
Possuiu um automóvel Wolks, pondo em prática as recomendações do fabricante não ultrapassava a lotação de 4 pessoas. Nem o Papa, faria ele ultrapassar o limite. Disciplinado e disciplinador, não se arredava daquilo recomendado pelo manual do fusquinha.
Aprendeu bastantes coisas relacionadas a profissão de farmacêutico prático com o Sr. José Kaol Pimenta. Vaidoso, dizia para os viajantes de medicamentos de quem era freguês, que tinha vindo ao mundo para aprender. Aprender e ensinar. Sem qualquer experiência anterior ou orientação técnica, ensinou ao jovem cunhado José Elias, surdo-mudo de nascença, a ler, escrever e bater à máquina. Difícil foi desenhar a imagem das mãos para o ensinamento das letras ao mudo. Porem com esforço ele terminou por consegui-lo!
‘Seu’ Joaquim muito jovem morou na cidade de Tabira (PE) com seu irmão mais moço Arnaldo. Naquela cidade conheceu a também jovem Corina com quem veio a se casar no religioso no dia 26 de novembro de 1926. O casal Joaquim/Corina veio depois morar em Custódia e aqui constituíram uma prole numerosa: Oito filhos. O casal procurou homenagear sempre seus ascendentes e colaterais mais próximos: pela ordem cronológica, José, em homenagem a seu avô paterno José Pereira da Silva; Noêmia recebeu o nome de sua madrinha de batismo, Dona Noêmia Cordeiro; Joana (Joany) recebeu o nome da avó materna, Joana Maria de Jesus; Clarice em homenagem a sua avó paterna Clara Pereira da Silva; Arnaldo recebeu o nome em homenagem ao seu tio paterno Arnaldo Pereira da Silva. Já o Pedro foi uma homenagem dupla: ao seu avô materno Pedro Elias da Silva e – principalmente – ao seu tio paterno Pedro Pereira da Silva. Os dois restantes Clotilde e Ivone faleceram na primeira infância.
Procurou educá-los, com grande sacrifício pessoal. Sua casa era modestamente mobiliada, mas, encaminhou os filhos para estudar em Sertânia, Pesqueira, Caruaru e Recife no regime de internato, pois não existiam parentes naquelas cidades que eventualmente pudessem hospedar seus jovens filhos estudantes.
As iniciativas de ‘Seu’ Joaquim eram às vezes exageradas. Inventou de criar passarinho. Só escapava urubu. Certa ocasião apareceu um cara, se dizendo vendedor de papagaios e exímio amestrador de louros. ‘Seu’ Joaquim disse então que lhe compraria um, se o bichinho lhe dissesse o nome. O vendedor/amestrador achou a tarefa difícil, não aceitando a proposta. Em tom de brincadeira ‘Seu’ Joaquim argumentou rindo que o papagaio era quem deveria ensinar o vendedor a falar.
Um dia lhe apareceu um curador de mordida de cobras. Dizia que curava tudo. ‘Seu’ Quincas disse para o curador que iria arranjar uma cobra venenosa e marcaram um dia para o teste. Numa ratoeira apreendeu uma felpuda ratazana. ‘Seu’ Joaquim dispunha fornecidos pelo Instituto BUTANTÃ – de laços especiais para captura de ofídios e enviá-los para aquele centro de estudos. Apreendeu então uma cobra cascavel e esperou a vinda do curador. Tudo foi fácil. No dia do teste, picado pela cobra o rato morreu… Não ocorreu a prometida cura. Dirigindo-se ao fracassado curador ‘Seu’ Joaquim sugeriu “que ele fosse vender cocada que além de não matar, engordava que era uma beleza”.
Foi um dos baluartes na emancipação de Custódia, tendo a frente o Doutor Fraga Rocha. Colaborou no descobrimento da Fonte Mineral do Sabá, tendo a frente o Dr. Vicente Trevas. Munido do livro ‘CHERNOVIZ’ mostrava para todos, aquilo que o povo desconhecia, mas os franceses já mencionavam a longo tempo: a existência desde a Serra da Torre até o município de Flores, a ocorrência de inúmeras fontes de água mineral.
Lampião – Contam que o tristemente famoso bandoleiro Virgolino Ferreira da Silva certa feita entrou pacificamente em Custódia. Pai Pereira (meu avô) que o conhecia, forneceu ao bandoleiro por escrito o nome e o retrato de ‘Seu’ Joaquim, então um jovem mascate que vendia fazendas pelas bandas de Algodões, Geritacó e arredores, pedindo que preservasse a vida do seu filho Joaquim. Certo dia numa das suas andanças eis que ‘Seu’ Joaquim topa com o grupo bandoleiro. Lampião perguntou quem ele era. Dada a informação este não lhe agrediu, dizendo em seguida: “O pedido de seu pai e seu ‘físico’ (no seu modo de falar) lhe salvaram a vida seu moço”! Siga em frente que nada vai lhe acontecer de mal. Só gosto de “matar cabra frouxo, para ele não tirar raça”.
Dizia: “Tenho perdido muitos amigos e camaradas nos últimos tempos. É compreensível, mas não aceitável. Quanto mais se vive, mais se fica vulnerável, mais pessoas queridas vão indo embora, deixando essa indecifrável parte de existir e a glória do viver e de ser”.
Além dos livros se dedicava à nobre missão de também colecionar amizades.
Texto extraído de: “Seu Joaquim, Subsidídos para um eventual Memorial Relativo”, elaborado por: José Neto
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