Foto:
“A jovem professora Dona Rosalina”.
Do álbum de recordações da professora Maria de Lourdes Pires de Alencar.
Texto: Valdir José Nogueira de Moura
ACIDENTE COM A PROFESSORA DE BELMONTE
(Memórias da Educação do Município de São José do Belmonte)
Na próspera cidade de Belmonte, antes que se construísse na década de 1940, o Grupo Escolar Professor Manoel de Queiroz, existiam na localidade as Escolas Públicas Estaduais e a Escola Municipal. Para as respectivas escolas as professoras, naquela época, em sua maioria, vinham de Recife, e quase sempre, se faziam acompanhar por alguém da família para não virem sozinhas, o que em muitas vezes onerava o salário.
Quando chegavam, às vezes se hospedavam na casa de Seu Terto Donato, às vezes no hotel de dona Manú, ou então em casas de pessoas conhecidas, destinadas quase sempre pelo prefeito, sendo que algumas alugavam casa. Vindas de meio adiantado, gozavam de grande prestígio social e movimentavam a comunidade com festas, piqueniques, dramas, ginásticas, canto, etc. Naquele tempo, funcionando as escolas em armazéns alugados ou casas de família, as professoras desempenhavam um bom trabalho com seus alunos.
Durante todo o período imperial e início do período republicano, a maior parte das escolas brasileiras eram separadas por sexo. Nesse período, a reunião de meninos e meninas em uma mesma sala de aula era uma prática muito pouco comum nas instituições de ensino do país. O costume e a lei determinavam a separação das escolas, tanto públicas quanto particulares, em femininas ou masculinas.
A cadeira da instrução primária do sexo masculino da Povoação de Belmonte, Comarca de Vila Bela, foi criada no período imperial, através da lei nº 598 de 13 de maio de 1864. Em seguida, através de portaria, o presidente da Província de Pernambuco nomeou como primeiro professor da dita cadeira o Sr. João Batista de Oliveira, mediante gratificação anual de R$600:000 (seiscentos mil réis).
Porém, 25 anos depois, a Lei Provincial nº 2079, de 25 de outubro de 1889, no seu artigo 1º, “estabelece a cadeira de ensino do sexo feminino na Freguesia de São José de Belmonte”, sendo nomeada através de portaria, em maio de 1890, como primeira professora dona Leopoldina Maria Teixeira Jacobina.
Por ato do governo de Pernambuco, no dia 27 de novembro de 1916, foi nomeada professora da cadeira de ensino do sexo feminino da cidade de Belmonte, que se encontrava vaga há dois meses, dona Rosalina Maria da Conceição, jovem, recém formada na Escola Normal de Recife.
Porém, como chegar a Belmonte se só havia trem até Rio Branco (Arcoverde)? Naquela época, o automóvel não havia chegado ainda por estas bandas do nosso vasto sertão. Rio Branco até então era o ponto final da Estrada de Ferro Central de Pernambuco; desta estação para as demais localidades sertanejas, o trajeto comumente era feitos em carros de bois e animais de sela.
E foi em um carro de boi que dona Rosalina chegou, em finais do mês de janeiro de 1917 na cidade de Belmonte. O carreeiro havia deixado uma carga de borracha de maniçoba do coronel Gonzaga Ferraz, de Belmonte, em Rio Branco, para ser escoada até o Porto do Recife através do trem. Dona Rosalina, cheia de medos e apreensões, aproveitou a oportunidade do carro de boi, e embarcou para Belmonte, no sertão do Pajeú, continuando assim a sua longa viagem.
O sol nem havia clareado, e, com o silêncio da caatinga, se ouvia, a uma légua de distância, um cantar choroso, deprimente e triste. Era o carro de boi levando dona Rosalina com destino a Belmonte. Enfim, depois de uma exaustiva viagem, entra a nova professora de forma triunfante na acolhedora cidade. Na “rua da Igreja”, o coronel Sá Moraes, prefeito da localidade, que mobilizou o povo do lugar para receber de forma calorosa, a professora Rosalina, tão esperada por pais e filhos quanto uma rainha por seus súditos.
No dia 2 de fevereiro de 1917, dona Rosalina iniciou o ano letivo apenas para as meninas. Nos primeiros dias de aulas, observando as crianças sentadas ainda em bancos e cadeiras, realizando as tarefas e deveres feitos na perna, a professora procurou o prefeito e solicitou que o mesmo providenciasse algumas carteiras para a escola. Mas que de repente, o prefeito solicitamente atendeu ao pedido, trazendo-lhe logo uma dúzia de carteiras em seis burros encangalhados, duas em cada lombo.
O tempo enfim foi passado, até que chegou o mês de novembro com os exames do fim do ano e em seguida a festa de encerramento das atividades da escola do ano de 1917. O evento reuniu várias pessoas da comunidade entre pais, alunas e autoridades convidadas. Para abrilhantar o fim da solenidade, a professora entoou um belo canto natalino, sob os acordes de um violão tocado pelo jovem Sinhozinho Alencar, fechando tudo com chave de ouro. No dia seguinte a professora seguiu então para férias na sua cidade Recife.
Rompeu-se algures alvissareiro o ano de 1918. Decorria o mês de janeiro, quando uma estarrecedora notícia estampou a primeira página do Diário de Pernambuco, edição 22, de 23/01/1918:
“ACIDENTE COM A PROFESSORA DE BELMONTE
No dia 16 do corrente, na fazenda Umburanas, do município de Alagoa de Baixo, a professora estadual de Belmonte, dona Rosalina, foi vítima de uma lamentável queda de um burro, recebendo vários coices.
Dona Rosalina, em conseqüência desse desastre, sofreu feridas contusas pelo corpo vindo a falecer pouco depois.
A polícia local tomou conhecimento do fato que causou ali geral consternação.
Ao senhor desembargador, chefe de polícia, foi comunicado o ocorrido.”
Causou profunda desolação em Belmonte, a notícia quando chegou através do telégrafo, da morte trágica da professora estadual da localidade dona Rosalina Maria da Conceição. A mesma tinha ido passar as férias do Natal com a família em Recife. Todavia, depois que desceu do trem na estação de Rio Branco, seguiu seu itinerário de regresso para Belmonte, sede de sua cadeira de instrução primária, montada em um burro. Ao chegar no lugar Umburanas, próximo a povoação de Custódia, o animal de sua montaria espantou-se, disparando em vertiginosa carreira.
Dona Rosalina, que nenhuma prática tinha de montaria, perdeu o equilíbrio, e, caindo, ficou dependurada pelo estribo que era uma laçada de corda. Na queda o laço apertou-se no tornozelo ficando a desventurada vítima tolhida de se desembaraçar de pronto. Arrastada cerca de quatrocentos metros por cima de paus e pedras, recebendo além disso, coices mortais do animal desenfreado, que foi a custo contido; a professora apenas arquejava ao ser encontrada, vindo a falecer momentos depois.
O Diário de Pernambuco em outra edição sobre o ocorrido detalhou: “Era horroroso o cadáver da professora Rosalina, de Belmonte, osso frontal fraturado, olhos fora das órbitas, membros desarticulados e completamente despidos, dava a impressão de um ser disforme, sendo difícil conhecer-lhe a identidade”.
Em sufrágio da finada professora, o Delegado de Ensino de Belmonte, Dr. Felisberto Pereira e o Padre Joaquim de Alencar Peixoto, fizeram celebrar uma missa no dia 16 de fevereiro, trigésimo dia do falecimento de dona Rosalina, em cujo ato religioso, além da presença maciça de suas alunas, a comunidade belmontense muitíssimo abalada compareceu em peso.
Ainda como homenagem, na década de 1930, dona Umbelina Menezes, professora leiga municipal colocou na sua escola o nome da inesquecível professora Dona Rosalina.
Enviado por Jorge Remígio
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