Decepção (Reminiscências)

por
Jorge Remígio
João Pessoa-PB
Outubro/2011

Sentei à mesa para jantar. Não estava com muita fome, porque o meu mal era outro. Pressa, muita pressa mesmo. Estava num pé e noutro, como se diz no meu sertão. Queria mesmo era estar na rua. 

- Estou atrasado e minha mãe que não trás logo essa sopa! Enquanto esperava com toda aquela ansiedade, olhei despretensiosamente para o calendário pregado na parede logo a minha frente, e coincidentemente, a data estampada na folhinha, causou-me certa expectativa. 25 de agosto de 1961. 

– Eita! Daqui a exatos dois meses, estarei fazendo aniversário, vou completar sete anos.

- Os meninos já devem estar todos lá na praça. A praça a que me refiro, era a Ernesto Queiroz, que ficava ao lado esquerdo da Matriz de São José, palco de inúmeras brincadeiras da garotada, com destaque para o coreto e um obelisco, que chamávamos de pirulito. 

- Acho que os prados já começaram. Era comum aos meninos dos anos 60 e décadas anteriores, reproduzirem em brincadeiras, o que os adultos faziam. Então, como as corridas de cavalos ou prados, estavam em voga naquele momento na minha pequena Custódia, a criançada se reunia à noite, ao lado da sede do PTB, onde hoje fica a Câmara de Vereadores, para as disputas de corridas. Ali era justamente o início da pista, a qual estendia-se no sentido da Rua Manoel Borba, com final nas imediações da residência de seu Pedro Mariano. Era uma corrida de velocidade, equivalente aos 100 metros rasos das disputas oficiais.

Os prados estavam no auge. Quase todos os domingos era aquela festa. Lembro que saí da Rua da Bomba. Estava colado no meu pai. Então, entramos na marinete com carroceria de madeira que pertencia a Deusinho que lotou rapidamente. Então, seguimos para o campo de aviação, que era o local onde se realizavam as corridas de cavalos. Ao chegarmos, fui surpreendido. A metade da população de minha cidade estava ali. Que animação, muita expectativa, gente circulando de um lado para outro, apostando aos gritos nos cavalos, comércio informal favorecido. 

– Olha o rolete de cana! Sem falar no alfinim, japonês, raspa–raspa, pipoca, algodão-doce, cocada, pirulito e quebra-queixo. Sem contar as quatro festas do ano, aquilo tudo só se comparava ao futebol, quando o Esporte de Custódia jogava com equipes de cidades vizinhas, naquele campo de terra batida e cercado de aveloz. Como era gratificante ver a categoria de Osmar no meio de campo e a aflição dos goleiros adversários, com Toreba rondando a grande área. O cara era mais perigoso que ferrão de “lacráia”. 

. Aquela corrida já era esperada há algum tempo. Bola Doida era a sensação do momento. Mas, o páreo seria duro. Disseram que o cavalo dos Germano, iria desbancá-la. Nem cogitei, achei impossível isso se concretizar. Bola Doida era-me familiar. Seu dono era Zé Burgos. Mais um bom motivo para eu apostar nela, que era tratada e muito bem, juntamente com mais dois cavalos no sítio de minha avó Anita, debaixo de duas mangueiras de troncos grossos e copas frondosas que lembravam a empanada de um circo. Foi feito um cercado para construção de um estábulo, que ficava bem próximo da casinha do mestre pifeiro Zé Biá. Não confundir, com as mangueiras que ficavam nas proximidades da cerca contígua ao quintal das casas da Rua do Rio, onde a meninada travessa, vindo pelo beco de Gabiru, violava o cercado para roubar mangas. Confesso hoje, que tinha todas aquelas frutas aos meus pés, mas, sempre desconfiei que as roubadas, eram mais saborosas. Era muita adrenalina gasta para consegui-las. O tiro de sal era real e sempre esperado. 

- Opa! A corrida parece que vai começar. Zé Burgos, que nesse tempo já era o meu ídolo, passa segurando as rédeas de Bola Doida, num caminhar acelerado, em direção à largada. O jóquei afamado veio de Betânia. - Não tem como perder essa corrida. Corri rapidamente para comprar pipoca e mesmo com toda aquela ansiedade do momento, prestei atenção a um comentário feito pelo pipoqueiro a outro freguês. 

– Dizem que domingo que vem, a disputa vai ser de uma camioneta dirigida por Luizito, contra um cavalo. Saí pensando comigo. 

– Será que vai dar certo isso? Corri de volta para melhor me posicionar. 

– Acho que é agora. Cavalos emparelhados, Bola Doida toda agitada como o próprio nome, plateia em alvoroço a espera do sinal de largada, pediram silêncio.

-Já! Foi aquela gritaria, Bola Doida sai na frente, mas, é logo alcançada pelo cavalo dos Germano. Correm quase todo o prado, cabeça com cabeça, ou seja, emparelhados. Há poucos metros do final, acontece o que eu recusava nem imaginar. O cavalo dos Germano toma a dianteira e ganha a corrida, frustrando assim, meu desejo de comemorar com alegria, aquela disputa tão acirrada.

-Ufa! Até que enfim chegou a sopa! Mesmo fumegando de quente, não esperei esfriar e com rápidas colheradas, avistei o fundo do prato. Ainda no interior de minha casa, inicio uma corrida na direção da Praça Ernesto Queiróz, e em poucos segundos, chego ao destino tão almejado. Porém, senti que havia algo de estranho no ar. Pois, os meninos estavam lá. Mas, sentados na calçada, quietos, o que contrastava do habitual. Notei também, que havia pequenos agrupamentos de adultos, em burburinho e gestos enfáticos. Na minha cabeça, quando os adultos se reuniam daquela maneira, algo importante aconteceu ou estava prestes a ocorrer. Fui direto ao grupo de amigos e perguntei curioso. 

– O que foi que aconteceu? Aí, falaram quase todos ao mesmo tempo. 

– O presidente renunciou! – O que? Apesar da pouca idade, sabia que o governo mal começara. Fiquei boquiaberto com notícia tão retumbante. 

– Mas por que? 

- O que houve? 

- Como foi isso? Enquanto me enchia de interrogações, vem um estalo na minha mente. Lembrei-me instantaneamente do meu pai. 

– Como ele vai reagir a isso. Fiquei muito mais preocupado com ele do que com o destino do país. O meu pai sempre foi um correligionário fiel, que beirava o fanatismo. A campanha nem bem começara, e ele já batiza o filho homenageando o futuro presidente. A disputa foi fervorosa naquele ano de 1960. Eu ia aos comícios e carreatas e ficava em êxtase, com aquele povo todo gritando em cima da carroceria do caminhão do meu pai. Quase todos com vassouras estendidas ao ar. Elas simbolizavam a moralidade, a limpeza. Iam varrer a corrupção que assolava a nação. Eu até que simpatizava com aquele broche em forma de espada que usavam na lapela e gola de camisas, símbolo da campanha do General Lott. Mas, a vassourinha era demais. Que euforia, quanta esperança e expectativa, para acabar assim, como éter jogado ao vento. Esse Jânio Quadros não podia ter feito isso com o meu pai. Fiquei triste, já pensando na tristeza que ele sentiria com tão estúpida notícia. Bola Doida não tinha a menor obrigação de ganhar do cavalo dos Germano, mas Jânio Quadros, não poderia nunca ter renunciado ao governo do Brasil. 

Que DECEPÇÃO! 


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