Iaiá Florencio (Irmã mais velha da família), Zé Daniel (sentado),
Laura Florencio (sentada, Irmã), Catonho(Antonio) Florencio (Em pé) e
Gercina (Esposa).
Por
José Carneiro (In memorian)
Recife-PE
Agosto/2012
José Carneiro (In memorian)
Recife-PE
Agosto/2012
Catonho Florêncio era um gênio. Sabia das coisas muito além dos seus parcos conhecimentos intelectuais. Corpulento, com cerca um metro e noventa de altura, de compleição atlética, rosto anguloso, ruivo, cabeleira desgrenhada e completamente despojado de qualquer espécie de vaidade. Lembrava um centurião romano. Mas, acima de tudo, uma pessoa alegre e simpática, de palavra fluente, palestra agradável e bem humorada, bom contador de causos e de fino trato. Querido e admirado por gregos e troianos.
Seu Catonho, entre outros predicados, destacava-se como orador, considerado o maior orador da história de Custódia. Sua estatura, vozeirão, gesticulação e, sobretudo, os recursos oratórios, com belas imagens e tiradas filosóficas, faziam dele um gigante da retórica e dialética. Consta que era portador de memória privilegiada, a ponto de decorar, palavra por palavra, longos trechos literários, inclusive fazendo pausa nas vírgulas, com entonação própria nas reticências, exclamações e interrogações. Comentava-se que tinha Rui Barbosa (Oração aos Moços), e Frei Mont’Alverne (Sermões) como paradigma, dos quais colhia as pérolas que ornavam seus discursos.
Era um filósofo a seu modo. Um fenômeno! Tenho para mim, que seu Catonho, fiel à tradição, todos os anos, no dia 19 de março, sob os olhares de Nossa Senhora e acompanhado por coro de anjos, faz um discurso para São José, daqueles que ele costumava fazer, enquanto Rui Barbosa e Frei Mont’Alverne, na platéia, deleitam-se com os seus ingênuos plágios.
A saída de seu Catonho de Custódia, por circunstâncias dolorosas, deixou a cidade e a maioria dos habitantes tristes e amargurados. Os desígnios de Deus são insondáveis e não devem ser postos em dúvida por nós pobres criaturas. Aceitá-los é dever de todo cristão. As consequências ficam por conta da lei natural do retorno.
Sempre que fazíamos serenatas, uma das paradas obrigatórias era em frente da casa de seu Catonho, onde cantávamos e declamávamos. Todas as vezes seu Catonho assomava à porta e nos brindava com uma poesia ou discurso. Naquela noite foi tudo diferente. Cantamos e declamamos e nada. A porta permanecia trancada e o silêncio acentuava a brancura da lua cheia. O solo de uma valsa dolente e a invocação do seu nome fez com se abrisse a parte de cima da porta e ele, tronco desnudo, pelos ruivos do peito refletidos pelo clarão da lua, cabelos assanhados, calado, imóvel, parecia Hércules com toda sua força e grandeza. Por alguns instantes ele olha, com olhar perscrutador, e voz fanhosa e pausada, diz:
“Por que não passas calado violão? Por que vens despertar sentimentos adormecidos?”
Em seguida fechou a porta e se recolheu ao silêncio. Era a retirada de um rei que saia do reinado sem perder a majestade. Tristonhos, encerramos a serenata e fomos afogar no vinho a saudade de um homem inesquecível.
Foi a última vez que vi seu Catonho.
0 Comentários