Feira da Rua da Várzea - Lindinalva Almeida (Nenê)

Lindinalva Pinto Simões de Almeida - Nenê.
Custódia-PE

Maio/2020

A feira é uma atividade econômica e cultural tão magnífica que nos permite ficar olhando horas e horas o seu processo dinâmico de compra e venda. Nessa seara, as pessoas interagem num vai-e-vem de vendedor e freguês. É convidativa ao lazer, às compras e a saborear as delícias da terra. O encantamento dessa atividade se dava também pelo colorido dos produtos que eram matizados por um cenário de lenços de cores primárias usadas nas cabeças das vendedoras, nas suas respectivas bancas. 

A feira surgiu, em conformidade com a afirmação de alguns estudiosos, quinhentos anos antes de Cristo e a palavra vem do latim “Feria”, com significado de “Dia Santo” ou “Feriado”. Outros dizem que essa atividade emergiu na Idade Média, onde as pessoas ou fiéis se reuniam em lugares públicos a fim de trocarem suas mercadorias. A palavra “freguês” veio também do latim “filiu ecclesiae”, que por sua vez significa “filho da igreja”.



Meus irmãos, Linalva, Floriano, Lucidalva, Luciene, Lélia, Leonildo, Hugo, Leônia e eu, registramos os melhores momentos da feira na Rua da Várzea. Gostávamos de ir às compras com mamãe. A segunda-feira era um dia de festa para as crianças. A diversidade de doces e guloseimas era um convite a não perder o passeio tão esperado da semana. Caldo de cana, pipoca colorida, tapioca, algodão doce, alfenim, pastel, quebra-queixo, cocadas de côco e de leite, doces de leite e mamão. Quando mamãe voltava da feira, dizia a papai: “Lunga, se for satisfazer a vontade dos meninos, o dinheiro só vai dar para as compras desses meninos”. E, na sua calma peculiar, ele ria. 

As atividades da feira começavam muito cedo do dia. Às quatro horas da manhã, os feirantes já estavam prontos para montar suas barracas, começando, de fato, o clima da feira. E nesse momento, contavam histórias, riam e cantavam. E ninguém mais dormia naquela rua. De manhã, estava tudo pronto, aguardando tão-somente o personagem mais importante da feira: o freguês. A organização dos barracos fugia do padrão de hoje, mas, numa coisa se destacava: frutas e verduras fresquinhas e sem o perigoso produto químico, o agrotóxico. As barracas, na sua grande maioria, eram cobertas com lona de caminhão e outras tantas ficavam expostas ao sol e chuva. Minha família morava no centro da feira, onde, vizinho a nossa casa, funcionava um hotelzinho que fora da minha avó materna, ficando, depois, para minha mãe e que servia café da manhã e doces de vários tipos. E nós, debruçados na janela da nossa casa, víamos a movimentação de toda aquela gente, que parecia mais uma colônia de formigas, que se comunicam e seguem o seu curso. Assim, era aquela cena agradável de dia de feira; pessoas se cumprimentando e seguindo seu caminho.



Na gastronomia, que não fugia à criatividade do Nordeste, havia barracas com buchadas, xerém, galinha de capoeira, sarapatel e cuscuz. As barracas se espalhavam por toda Rua da Várzea. 

•Barracas com vários tipos de doces;
•Barracas de meizinhas (remédios caseiros);
•Barracas de artigos de couro (sandálias xô boi, cintos, botas e outros);
•Barracas com utensílios domésticos (arupemba, ralo, vassouras de palha, ferro à brasa, abanos, candeeiro, pavio de algodão para candeeiro);
•Barraca com fumo de rolo, cigarro de palha.




E num espaço próximo ao chafariz, era colocado sobre uma lona, instrumentos do campo: enxadas, pá e “ciscadores”. Também ali pertinho, havia uma senhorinha que vendia panelas e vasos de barro trazidos da Serra da Torre. Perfeito artesanato.

Como todo negócio precisa de divulgação - merchandising - a feira da várzea não fez diferente: as suas propagandas eram muito criativas. Os vendedores agradavam os fregueses com suas espirituosas investidas. Era mais ou menos assim: “olha a cocada, cocada de côco, cocada de leite, cocada da Dona Maria”; “olha o quebra-queixo, se quebrar o queixo não se queixe”. E o gaiato dizia: “aqui moça bonita não paga, mas também não leva” e outro dizia: “olha a laranja!”. E alguém perguntava: é doce? E ele respondia: “é laranja mesmo; se fosse doce, eu dizia “olha o doce!””.




Uma outra propaganda era muito interessante, de um rapaz de Arcoverde, que fazia o comercial do chá de boldo: “olha o chá de boldo!”. Pergunte a Dr. Orlando e Dr. Moura para que serve esse remédio”. Depois acrescentou à propaganda o nome de Dr. João, cunhado de Dr. Moura. Lembro ainda com uma saudade muito gostosa da bela e singela apresentação de Zé Biá e “Sêo” Manoel do alfenim, sem esquecer as senhorinhas religiosas que arrecadavam dinheiro para a festa dos seus padroeiros. 



Com o desenvolvimento, a feira mudou no aspecto de organização. O poder público interveio a fim de organizar a disposição das barracas.

E ao pôr do sol, a rua ia voltando ao normal. As barracas sendo desmontadas pelos seus donos, com esperança de uma nova feira e para recomeçar na próxima semana. 

Redigir este texto me remete a um tempo que está vivo dentro de nós. Tudo passa e nesse passar, ficamos nós com lembranças de momentos que não se repetem, únicos!

As fotos que acompanham esta publicação são fotos recentes, de antes da pandemia de Covid-19.

Custódia, 04 de maio de 2020

Lindinalva Pinto Simões de Almeida - Nenê.

Créditos: 

1. Fotos em preto e branco não são exatamente da feira, mas de Zé Biá e foram retiradas deste blog;

2: Nas fotos coloridas, consta Leônia, Linalva, meus dois netos Maria Júlia e José Arthur e eu. As fotos são dos arquivos de Leônia e meus.

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2 Comentários

Que bela narrativa!
Voltei no tempo. Vi, vivi é lembro de tudo isso.
Amei seu relato. Precisamos de mais pessoas que restarem nossa história. O dia descubra, como assim falávamos... era o dia da feira; o dia da feira de tudo que precisávamos pra comprar é passar a semana. Era o dia que recebíamos a mesada e íamos comprar umas bonequinhas, umas oabrlinhaa de barro, um lanchinho... tipo raspa raspa, quebra queixo, refresco... é até mesmo passear no meio das bancas que vinham de Arcoverde, as quais ficavam localizadas na praça padre Leão. Era nosso Shopping Center. Como era bom!
Nos contentacsnos com tão pouco.
Saudades de um passado simples e feliz.
Parabéns querida, amiga pela linda narração.
Sempre excelente em tudo que faz.
Anônimo disse…
Nenê, em sua narrativa, você conseguiu não só trazer informações e boas lembranças, mas muita emoção em todo o seu texto. Te amo muito, minha irmãzinha. Saudades de todos.
Leônia.
onisimoes@hotmail.com